noel guarany - balseiros do rio uruguay
Oba! viva! veio a enchente
O uruguai transbordou
Vai dar serviço prá gente
Vou soltar minha balsa no rio
Vou rever maravilhas
Que ninguém descobriu)
Amanhã eu vou embora pros rumo de uruguaiana
Vou levando na minha balsa cedro, angico e canjerana
Quando chegar em são borja, dou um pulo a santo tomé
Só pra ver as correntinas e pra bailar um chamamé
Se chegar ao salto grande me despeço deste mundo,
Rezo a deus e a são miguel e solto a balsa lá no fundo
Quem se escapa deste golpe, chega salvo na argentina
Só duvido que se escape do olhar das correntinas
noel guarany - bochincho
A um bochincho - certa feita,
Fui chegando - de curioso,
Que o vicio - é que nem sarnoso,
nunca pára - nem se ajeita.
Baile de gente direita
Vi, de pronto, que não era,
Na noite de primavera
Gaguejava a voz dum tango
E eu sou louco por fandango
Que nem pinto por quireral.
Atei meu zaino - longito,
Num galho de guamirim,
Desde guri fui assim,
Não brinco nem facilito.
Em bruxas não acredito
'Pero - que las, las hay',
Sou da costa do Uruguai,
Meu velho pago querido
E por andar desprevenido
Há tanto guri sem pai.
No rancho de santa-fé,
De pau-a-pique barreado,
Num trancão de convidado
Me entreverei no banzé.
Chinaredo à bola-pé,
No ambiente fumacento,
Um candieiro, bem no centro,
Num lusco-fusco de aurora,
Pra quem chegava de fora
Pouco enxergava ali dentro!
Dei de mão numa tiangaça
Que me cruzou no costado
E já sai entreverado
Entre a poeira e a fumaça,
Oigalé china lindaça,
Morena de toda a crina,
Dessas da venta brasina,
Com cheiro de lechiguana
Que quando ergue uma pestana
Até a noite se ilumina.
Misto de diaba e de santa,
Com ares de quem é dona
E um gosto de temporona
Que traz água na garganta.
Eu me grudei na percanta
O mesmo que um carrapato
E o gaiteiro era um mulato
Que até dormindo tocava
E a gaita choramingava
Como namoro de gato!
A gaita velha gemia,
Ás vezes quase parava,
De repente se acordava
E num vanerão se perdia
E eu - contra a pele macia
Daquele corpo moreno,
Sentia o mundo pequeno,
Bombeando cheio de enlevo
Dois olhos - flores de trevo
Com respingos de sereno!
Mas o que é bom se termina
- Cumpriu-se o velho ditado,
Eu que dançava, embalado,
Nos braços doces da china
Escutei - de relancina,
Uma espécie de relincho,
Era o dono do bochincho,
Meio oitavado num canto,
Que me olhava - com espanto,
Mais sério do que um capincho!
E foi ele que se veio,
Pois era dele a pinguancha,
Bufando e abrindo cancha
Como dono de rodeio.
Quis me partir pelo meio
Num talonaço de adaga
Que - se me pega - me estraga,
Chegou levantar um cisco,
Mas não é a toa - chomisco!
Que sou de São Luiz Gonzaga!
Meio na volta do braço
Consegui tirar o talho
E quase que me atrapalho
Porque havia pouco espaço,
Mas senti o calor do aço
E o calor do aço arde,
Me levantei - sem alarde,
Por causa do desaforo
E soltei meu marca touro
Num medonho buenas-tarde!
Tenho visto coisa feia,
Tenho visto judiaria,
Mas ainda hoje me arrepia
Lembrar aquela peleia,
Talvez quem ouça - não creia,
Mas vi brotar no pescoço,
Do índio do berro grosso
Como uma cinta vermelha
E desde o beiço até a orelha
Ficou relampeando o osso!
O índio era um índio touro,
Mas até touro se ajoelha,
Cortado do beiço a orelha
Amontoou-se como um couro
E aquilo foi um estouro,
Daqueles que dava medo,
Espantou-se o chinaredo
E amigos - foi uma zoada,
Parecia até uma eguada
Disparando num varzedo!
Não há quem pinte o retrato
Dum bochincho - quando estoura,
Tinidos de adaga - espora
E gritos de desacato.
Berros de quarenta e quatro
De cada canto da sala
E a velha gaita baguala
Num vanerão pacholento,
Fazendo acompanhamento
Do turumbamba de bala!
É china que se escabela,
Redemoinhando na porta
E chiru da guampa torta
Que vem direito à janela,
Gritando - de toda guela,
Num berreiro alucinante,
Índio que não se garante,
Vendo sangue - se apavora
E se manda - campo fora,
Levando tudo por diante!
Sou crente na divindade,
Morro quando Deus quiser,
Mas amigos - se eu disser,
Até periga a verdade,
Naquela barbaridade,
De chínaredo fugindo,
De grito e bala zunindo,
O gaiteiro - alheio a tudo,
Tocava um xote clinudo,
Já quase meio dormindo!
E a coisa ia indo assim,
Balanceei a situação,
- Já quase sem munição,
Todos atirando em mim.
Qual ia ser o meu fim,
Me dei conta - de repente,
Não vou ficar pra semente,
Mas gosto de andar no mundo,
Me esperavam na do fundo,
Saí na Porta da frente...
E dali ganhei o mato,
Abaixo de tiroteio
E inda escutava o floreio
Da cordeona do mulato
E, pra encurtar o relato,
Me bandeei pra o outro lado,
Cruzei o Uruguai, a nado,
Que o meu zaino era um capincho
E a história desse bochincho
Faz parte do meu passado!
E a china - essa pergunta me é feita
A cada vez que declamo
É uma coisa que reclamo
Porque não acho direita
Considero uma desfeita
Que compreender não consigo,
Eu, no medonho perigo
Duma situação brasina
Todos perguntam da china
E ninguém se importa comigo!
E a china - eu nunca mais vi
No meu gauderiar andejo,
Somente em sonhos a vejo
Em bárbaro frenesi.
Talvez ande - por aí,
No rodeio das alçadas,
Ou - talvez - nas madrugadas,
Seja uma estrela chirua
Dessas - que se banha nua
No espelho das aguadas!
noel guarany - bodoqueando
Duas tiras de borracha, resina de seringueira
Bem atados na forquilha do galho da pitangueira
A bolsa, cano de bota, donde sai a tiradeira
Velho bodoque crioulo da minha infância campeira
As marcas da tua forquilha são legendas de um passado
Em que vivi embodocado caçando tatu na toca
Derrubando sabiá choca, sangue-de-boi, canarinho
O que cruzasse meu caminho de São Luiz a Boçoroca
E te recordo saudoso ao relembrar-te bodoque
E quando ponho em retoque certas lembranças que tomo
Pedra enconchada no trono tenteando que algum pombaço
Descesse de um bodocaço das grimpas do cinamomo
Por isso, meu velho amigo, foste guardião de minha infância
Me lembro com arrogância teu garbo no meu pescoço
Num deboche de índio moço no dia em que estava azedo
Largava àquele piazedo saraivadas de caroço
E quem diria bodoque, meu companheiro de antanho
Que agora deste tamanho conservo a devoção
De trazer-te bem à mão pendurado a preceito
Qual pica-pau sobre o peito no tronco do coração
noel guarany - de pulperias
Um payador que se preza
Mesmo rodando não cai
Recorre a vida cantando
Aos pés do Eterno Pai,
E depois volta de novo
Cantar pra o povo e se vai.
Conheço as penas do mundo
De tanto que já andei
Diz que existem sete penas
Sete mistérios também,
As minhas perdi a conta
Mistérios não encontrei.
Sou payador e me agrada
Esse ofício de cantor
Mesmo sofrendo no mundo
As penas de um cantador
Sou cantor e guitarreiro
Lá na mi'a querência flor.
Jamais me perdi no trilho
Quando canto opinando
Sempre falei as verdades
A quem tiver escutando
Humilde pra um peão d'estância
E touro pra um contestando.
Às vezes duro de queixo,
Às vezes meio macio,
Às vezes com turbulência
Às vezes calma de rio
Desses que embalam estrelas
Em claras noites de estio.
São manhas dos payadores
Da minha terra missioneira
Mais ou menos são iguais
Na minha pátria campeira
Touros, quando em seu rodeio
Touraços, a vida inteira.
Os amores que eu já tive
Nunca falei a ninguém
Vivo cantando no mundo
Amando e querendo bem
Sou payador missioneiro
Diga a importância que têm.
noel guarany - décima do potro baio
Eu sai pela fronteira ver negócio de importância
Que é pra ver se me ajustava de capataz de uma estância
Cheguei lá e me ajustei, donde havia uma potrada
Onde tinha um bagual baio respeitado da peonada
Baio da venta rasgada carunchado nos cornilho
Foi o que mais me agradou para sentar o meu lombilho
Pra encilhar o venta rasgada custou uma barbaridade
Baixou a cabeça na estância foi levantar na cidade
Da estância para a cidade regulava légua e meia
E onde o baio se acalmou foi na venda do Gouveia
E eu apeei lá no Gouveia pra tomar um trago de vinho
Depois belisquei o baio desde a marca inté o focinho
Este baio corcoveava mesmo que boi tafoneiro
Pois já tava acostumado corcovear o dia inteiro
Bombeei pra um oitão dum rancho vi uma prenda me espiando
O baio não via nada e continuava corcoveando
Menina, minha menina me agarra senão eu caio
Que eu a venho sufocado com o balanço deste baio
Uma espora sem roseta e a outra sem papagaio
Se as duas estivessem boas, que seria desse baio
Quase arrebentei o pulso e as duas canas do braço
Deixei o baio bordado de tanta espora e mangaço
Um dia deixei a estância e fui cumprir minha sina
Mas o baio ficou manso inté pro selim de china
noel guarany - destino de peão
Hoje é domingo e encilhei meu estradeiro
Já botei água-de-cheiro, não me falta quase nada
Saio ao tranquito no meu trajinho sem luxo
Pois assim faz um gaúcho que vai ver sua namorada
Trabalhei o mês inteiro, encilhei muito aporreado
Consertei todo o alambrado, lá na invernada do fundo
Sentia fundo a sinfonia dos bichos
Para aumentar o cambicho, com a flor mais linda do mundo
Queria tanto dar um presente pra prenda
Ponta de gado, fazenda, e um montão de coisas mais
Dizer palavras, que sei e penso em segredo
E que só em pensar tenho medo por isso não sou capaz
Eu até tive pensando em construir um ranchinho
Nem que seja pequeninho, já vivi muito em galpão
Se ela quisesse, que coisa linda seria
À Deus agradeceria, o meu destino de peão
noel guarany - destino missioneiro
Este destino tem me feito cantor em muitas Pajada
Parceiros de guitarradas em pulperias estranhas
Passa tempo de campanha que em dia santo ou domingo
Cada um monta em melhor pingo em dia folgado e campeiro
Vou chegando mui faceiro pra pulperia sorrindo
Neste ritual primitivo de orgias campejanas
Me deu a sorte aragana sem pastor neste rebanho
Se jogo truco, ganho, se cantar comando a farra
Pois sou mesmo que cigarra pra cantar de contra ponto
Faço o cantor ficar tonto e se manear na guitarra.
Canto terra, pampa e rio com a campeira vivencia
Que os filhos desta querência feita a casco de cavalo
Donde os buenos e os maulos vaqueanos de muitas guerras
Banharam campos e serras, no sangue de mil combates
Sem saber que nesse embate foi puro amor pela terra.
São passados que me orgulho de cantar com a alma aberta
E hão de ser rimas bem certas e as cordas bem afinadas
E a garganta bem afiada e os acordes bem certeiros
Que assim qualquer brasileiro ou se escuta algum paisano
Verá que é sul americano o canto de um missioneiro.
Verão que as raças se uniram num potencial varonil
Pra levantar o Brasil, índios, gringos e mestiços
Sem medir os sacrifícios, sem ceder, sem sentir
Como se a terra seu trono, lutando com fora e fé
Igual que gritou Sepé: - A nossa terra tem dono!
Evoco a santo cacique o imortal Tiaraju
Que deu pra esse Xirú a sublime inspiração
De lutar por esse chão no mais serio patriotismo
Da lança para o lirismo, da tradição ao presente
Da incertidão ao consciente pra o puro brasileirismo.
E se não entendeu o meu canto por este pais muito grande
Hei de cantar o rio Grande, pedaço de continente
E se cantar o que a alma sente é falta pra um pecador
O meu patrão Nosso Senhor que perdoa esse gaudério
Vou levar pro cemitério este destino de cantor.
........................
Lauro Soares de Alvarenga
São José dos Campos - SP
outubro50@gmail.com
noel guarany - en el rancho y la cambicha
Esta noche que hay baile
En el rancho y la cambicha
Chamamé de doble paso
Tanguedito bailaré
Chamamé milongueado
al estilo oriental
Troteando despacito
como bailan los tagües
Al compás de la cordeona
Bailaré el rasguido-doble
Troteando despacito
Esto doble chamamé
Y esta noche de alegria
Con lá dama más mejor
En el rancho y la cambicha
Al trotesito tanguearé
Como esta linda la chanza
A-há-há há-há-há
Chamaré linda la guaina
Para hacer-la suspirar
Luciré camisa planche
My pañuelo azul celeste
Mi bombacha bataraza
Que esta noche estrenare
Mi sombrero bien aludo
Y una flor em el cintillo
Y um facha colorada
Y alpargatas llevare.
Un frasco de água florida
Para echar-le la guaina
Y um paquete de pastillas
Que a todas convidare
Y esta noche de alegria
Con lá dama más mejor
En el rancho y la cambicha
Al trotecito languearé
Como está linda l chanza
A-há-há há-há-há
Chamaré lindas las guainas
Para hacer-la suspirar
Para hacer-la suspirar
noel guarany - fandango na fronteira
Vou te contar bem direitinho de um fandango na fronteira
Vanerão se dança xote, também se dança rancheira
Os gaúchos são valentes, e as chinocas são faceiras
E os índios tinem a espora no balanço da vaneira
Este fandango que eu falo é na fronteira do estado
Primeira estância da querência no Rio Grande é o mais falado
E lá dos pagos missioneiros é a catedral xucra do pago
Pra dançar lá na fronteira o salão sempre é folgado
São gaúchos caprichosos sempre estão bem arrumados
Usam, bombacha larga lenço branco ou colorado
Vou te contar bem direitinho das chinocas missioneiras
Dos olhares feiticeiros carinhosa e candongueiras
Umas que são argentinas e outras que são brasileiras
Quando vem clareando o dia que já termina o fandango
Se ouve o ronco das trinta e o forte estalo de mangos
Mas não é briga e não é nada, é os gaúchos pacholeando
E foi assim que eu te contei, que é o fandango na fronteira
Vaneirão se dança chote, também se dança rancheira
Os gaúchos são valentes, e as chinocas são faceiras
E os índios tinem espora, no balanço da vaneira
noel guarany - meu rancho
É a sina dos tapejaras
Essa de beber mensagens
Que o vento traz nas aragens
Do fundo da noites claras
Bordoneando nas taquaras
Ou pelas frinchas da porta
Porque reanima e conforta
O velho sangue guerreiro
E se eu nasci missioneiro
O demais pouco me importa.
Nasci no meio do campo
Na costa do banhadal
Dentro dum rancho barreado
De chão duro e desigual
Meu berço foi um pelêgo
Sobre um couro de bagual.
Bebi leite na mangueira
Numa guampa remachada
E acavalo num tição
Me aquentei de madrugada
Enquanto o vento assobiava
Nos campos brancos de geada.
Brinquei com gado de osso
Na sombra do velho umbu
E assim volteando um amargo
E o churrasco meio cru
Fui crescendo e me orgulhando
De ter nascido um chirú.
Depois de andar gauderiando
Por muita querência estranha
Hoje vivo no meu rancho
Na humildade da campanha
Junto a chinoca querida
E um cusco que me acompanha.
É meu vizinho de porta
Um casal de quero-quero
Por isso embora índio pobre
Bem rico me considero.
Tendo china, pingo e cusco
No mundo nada mais quero.
Na estaca em frente do rancho
Dorme o pingo, meu amigo
Companheiro que eu adoro,
Prenda guasca que bendigo
Pois alegrias e penas
Sempre reparte comigo.
E quando de noite, a lua
Vem destapando meu rancho
Agarro na gaita velha
Que guardo erguida no rancho
E dando rédeas ao peito
Num vanerão me desmancho.
E ali pela solidão
Onde meu canto escramuça
Parece que a noite velha
Cheia de mágoas soluça
E a própria lua pampeana
No santa fé se debruça.
E meu verso é como o vento
Que vai dobrando as flexilhas
E floreia compadresco
O hino destas coxilhas
Entre os buracos de bala
Do pavilhão farroupilha.
É mesmo que bombeador
Dos piquetes de vanguarda
Que vem abrindo caminho
Pelas tropas da retaguarda.
Enquanto a cordeona chora
Meu cusco fica de guarda.
Mas pra deixar o sossego
Do meu rancho macanudo
Basta só a voz de um clarim
Com china e cusco me mudo
Pra defesa do rio grande
Que adoro acima de tudo.
noel guarany - milonga missioneira
Quando canto uma milonga
Eu cresço uns metros de altura
Nem o minuano segura
Alma e cordas que resonga
Minha mirada se alonga
Quando largo cada verso
O amargo e o triste disperso
Num lírico manotaço
Cada sentença é um balaço
Às coisas do universo.
Com a milonga nasci
Lá nos pagos missioneiros
Payador e guitarreiro
Do meu rincão guarany
Amar a terra aprendi
Com mia guitarra na mão
Conheci muita lição
Que nos nega a sociedade
Monstrengo de faculdade
Tentam nos dar mais não dão.
Milonga que vem da pampa
De nobre estirpe gaudéria
Ora triste ora séria
Que na América destampa.
Nos palacetes se acampa
Nasce e vive nos galpões
Redemunhando ilusões
Na alma dos cruzadores
Onde os poetas e cantores
Extravasam emoções.
És a prenda nacional
Quando te evoca o surenho
E nas mãos de algum nortenho
Que vem da banda oriental
No Brasil meridional
És a lírica bandeira
Quando em rondas galponeiras
Um payador missioneiro
Num sapucai de guerreiro
Te evoca de mil maneiras.
E muitos tentam fazer
Chorando o que eu faço rindo
Se cantar tudo vem lindo
Se tocar vejam pra crer
Quem duvidar venha ver
Um missioneiro trovando
Sem querer estou louvando
A terra onde nasci
O meu rincão guarany
Que eu hei de morrer cantando.
noel guarany - eu e o rio
Mateando a sede do pago
Na sonolência das margens
Sobre um espelho de imagens
Passa o rio tranqüilamente
Estrada clara de seiva
Lua de estrelas prateado
Onde peleia o dourado
Na boca dos espinhéis
(Peregrino dos caminhos
No rumo dos horizontes
Adeus no calor dos ninhos
Acena o sonho dos montes
Meu corpo, barca perdida
Entre canções despraiando
Passando no rio da vida
Vagando, sempre vagando)
Debruça em sono a barranca
deslisa a balsa sonhando
Por entre nuvens rogando
Mistérios dos aguapés
Nunca retorna ao caminho
Desmaiado em suas ânsias
Mergulha pelas distâncias
Sem saber bem o que quer
(Meu corpo, barca perdida
Entre canções despraiando
Passando no rio da vida
Vagando, sempre vagando
Peregrino dos caminhos
No rumo dos horizontes
Matando a sede da terra
Vivendo a sede de andar)
noel guarany - meu quaray mirim
Eu me lembro bem ainda
Daquelas planície infinda do meu Quaray mirim;
Das gostosas macaquices
Ao comer as gulodices que será dona fez pra mim.
Relembro o plaf nas tabuas
Das roupas cheirando as magoas e o cantar das lavadeiras
E no seu torto caminho
O rio murmura baixinho namorando as pitangueiras.
Piazito canela arranhada
Descalço piando as geadas nas duras manhãs de frio
Amei a vida campestre
Comendo fruta silvestre sentando a beira do rio
Lembro o rufar dos tambores
Um bando de caçadores unidade de meu pai
Foi a mais doce morada
Esta cidade encantada namorada do Uruguai.
noel guarany - payando
[ah, payador indomado
Sempre a cantar contra o vento
A pátria é um fundamento,
Um grito no descampado
Ã? um eco renovado
Na garganta da querência
Desafiando a prepotência
Que quer ditar os valores
Mas a esses ditadores
Não chamamos de excelência]
Nasci no centro dos ventos
No barro das orações
Meu destino são raízes
Que brotam nas reduções
Onde o canto é a voz da pátria
Misteriosa das missões
Por isso, a bem da história
Hei de cantar altaneiro
Dizendo verdades cruas
No meu estilo campeiro
Quando o rio grande nasceu
Já existia o missioneiro
Assim erguemos a pátria
Como quem ergue um altar
E a guardamos sagrada
No viver e no cantar
As legendas missioneiras
Que jamais hão de manchar
Ã? um dever dos payadores
Zelar o bem na verdade
Com a guitarra nos tentos
Num rasgo de eternidade
E seguir cruzando o mundo
Escravos da liberdade
Como disse martín fierro
O cantor legenda e glória
Que deixou para o porvir
Salmos da crioula história
Saibam que esquecer o ruim
Também é se ter memória
E vou calando a guitarra
A deusa da pulperia
Que me acompanha gaudéria
Nas minhas andanças bravia
Fecundando a pampa grande
Alma, garra e melodia