MELHORES MÚSICAS / MAIS TOCADAS
fernando maurício - estrela que se apaga
Tenho as estrelas por telha
O meu tecto um velho barco
Por paredes a maresia
Espreita-me o arco-da-velha
Como se a velha e o arco
Me fizessem companhia
O corpo já não reclama
Os colchões de pedra dura
A que está habituado
Mas por dentro há uma chama
Que arde viva e segura
No meu sangue revoltado
Quando chega o vento aflito
Contra os vidros da janela
Do quarto que não conheço
Sopro para o infinito
Apago a última estrela
Logo depois adormeço
fernando maurício - feira da ladra
Fui à Feira da Ladra, a mais bizarra
Das feiras com a marca do passado,
E vi num ferro-velho uma guitarra
De tampo, sujo, negro e desgrudado!
No fundo uma etiqueta já sem cor
Ocultava um retrato que ficou
E que era de um famoso tocador
Que a morte há muitos anos já levou!
Quatro cordas em rugas de cantigas
Se nada mais fizessem recordar,
Lembravam quatro décimas antigas
Ã? volta de uma quadra popular!
Comprei aquela jóia que se enquadra
Em tudo o que são velhas raridades,
Inda é preciso haver Feira da Ladra
Pâ??ra nos mostrar o preço das saudades!
fernando maurício - a igreja de santo estêvão
Na igreja de Santo Estêvão
Junto ao cruzeiro do adro
Houve em tempos guitarradas
Não há pincéis que descrevam
Aquele soberbo quadro
Dessas noites bem passadas
Mal que batiam trindades
Reunia a fadistagem
No adro da santa igreja
Fadistas, quantas saudades
Da velha camaradagem
Que já não há quem a veja
Santo Estêvão, padroeiro
Desse recanto de Alfama
Faz um milagre sagrado
Que voltem ao teu cruzeiro
Esses fadistas de fama
Que sabem cantar o fado
fernando maurício - a lucinda camareira
A Lucinda camareira
Era a moça mais ladina
Mais formosa, mais brejeira
Do café da Marcelina
De maneira graciosa
Sobre um lindo penteado
Trazia sempre uma rosa
Cor de rosa avermelhado
Eu vivi enfeitiçado
Por aquela feiticeira
Que airosamente ligeira
Servia de mesa em mesa
Tinha feições de princesa
A Lucinda camareira
Primando pela brancura
O seu avental de folhos
Realçava-lhe a negrura
Encantadora dos olhos
Nem desgostos nem abrolhos
Sofrera desde menina
Que apesar de libertina
Orgulhosa e perturbante
No velho café cantante
Era a moça mais ladina
Os marialvas em tipoias
Iam da baixa num salto
Ver a mais linda das jóias
Aos cafés do Bairro Alto
A camareira que exalta
De tão singular maneira
Era amada pela cegueira
Que a palavra amor requer
Para mim era a mulher
Mais formosa e mais brejeira
Certa noite de fim d? ano
Em que certo cantador
Cantava ao som do piano
Cantigas feitas de amor
Um cigano alquilador
De tez bronzeada e fina
Por afortunada sina
A Lucinda conquistou
E para sempre a levou
Do café da Marcelina
fernando maurício - a minha oração
Não fui menino de coro
Nunca aprendi a rezar
Mas aprendi este choro
Que a vida me soube dar
Esta mágoa na garganta
Com que canto os meus revezes
Diz o povo que quem canta
Reza sempre duas vezes
Cada verso uma oração
Um padre-nosso rezado
E na minha confissão
Vão as rimas do meu fado
Nunca aprendi a rezar
A erguer as mãos aos céus
Mas eu sinto que ao cantar
Estou a conversar com Deus
fernando maurício - alfama
Alfama bairro velhinho, monumento de saudade, sacrário de tradições
Tens um lugar de carinho, e de sincera amizade, nas minhas recordações
Bairro de gente do mar, de varinas e marinheiros, são fruto que nos dás
Honrados no trabalhar, alegres e galhofeiros, no descanso e boa paz
Quando tem uma tristeza, no coração magoado, cantando a sabes dizer
O teu fado é uma reza, e desabafas num fado, a razão do teu sofrer
Usando por garridice, craveiros a enfeitar, o beco mais recatado
Ã?s mais velha que a velhice, mais marinheira que o mar, e mais fadista que o fado
fernando maurício - alma do ribatejo
Ribatejo é aguarela, que Deus criou com amor
Ã? de todas a mais bela, pintada plo criador
A campina lá do céu, de sacrifício e de glória
Onde um campino escreveu, a sua história sem história
O campino assim que o sol aparece
Erguendo ao céu uma prece, montado em seu alazão
Ã? o arauto do eterno labutar
De quem procura encontrar, a certeza de seu pão
E a campina imensa a perder de vista
Vencida pela conquista, do homem rude e valente
Ã? o hino que a natureza criou
E que o campino gravou, no seu peito eternamente
Tem a campina um segredo, uma epopeia sagrada
Homens que lutam sem medo, e que dão tudo por nada
O segredo do valor, do homem simples e são
Que conquista sem temor, a terra, a vida e o pão
fernando maurício - amigo joão
Ã? meu amigo João
Em que terras te perdeste
Se por nada lá morreste
Meu amigo, meu irmão
De nascença duvidosa Proibiram a tua infância
Transformaram-te em distância
Como braços de alcançar;
Foste folha a flutuar Arrastada pla corrente
E o teu sangue foi semente
Dos cifrões doutro lugar
Gostavas de ouvir cantar
As modas da nossa terra
E as verdades que ela encerra
No seu jeito popular;
Teu corpo de tudo dar
Corre nas veias do mundo
Imenso, fértil, fecundo
Com força de terra e mar
Ponho aqui o recordar
Da agrura da tua morte
Por sobre sangue a gritar
Que não foi azar nem sorte;
A força do vento norte
Levou teu grito na mão
Meu amigo, meu irmão
Quem forçou a tua sorte?
fernando maurício - aqui
Aqui, em cada fado, há uma flor
No canteiro da alma de quem canta
Aqui, cada guitarra embala a dôr
Quando á noite, a saudade se levanta
Aqui, cada poema é gota de água
Que ás vezes, mata a sede á solidão
Aqui, cada cigarro engana a mágoa
E perfuma, a tristeza de ilusão
Aqui, toda a distãncia do passado
Senta-se á minha mesa de mansinho
Aqui, as minhas veias bebem fado
Que nasce, em cada canjirão de vinho
Aqui, sinto a coragem de ser eu
Ao rir do meu passado fatalista
Cantando com a voz que Deus me deu
Aqui, de corpo e alma, sou fadista
fernando maurício - bairro eterno
Oh Lisboa dona airosa, Que fizeste à Mouraria
Que anda triste e desgostosa, A soluçar noite e dia
Oh Lisboa dona airosa, Que fizeste à Mouraria
Coitada pobre velhinha, Decerto foste ofendida
Perdeste a graça que tinhas, Estás muito mais abatida
Perdeste a graça que tinhas, Estás muito mais abatida
Se era essa a tua sina, Não te queixes de Lisboa
Querias ser sempre menina, Mas o tempo não perdoa
Querias ser sempre menina, Mas o tempo não perdoa
Hás-de passar a ser moderna, Ter mais cor mais fantasia
Sem deixares de ser eterna, Mouraria, Mouraria
Sem deixares de ser eterna, Mouraria, Mouraria
E numa prece singela, Pra que seu nome não mude
Fadistas rezai por ela, Ã? Senhora da Saúde
Fadistas rezai por ela, Ã? Senhora da Saúde
fernando maurício - biografia do fado
Perguntam-me p'lo Fado,
Eu conheci-o
Era um ébrio, era um vadio,
Que andava pla Mouraria
Talvez inda mais magro que um cão galgo
A dizer que era fidalgo,
Por andar com a fidalguia
Seu pai era um enjeitado,
Que até andou embarcado,
Nas caravelas do Gama
Um mal andrajado e sujo,
Mais gingão do que um marujo,
Dos velhos becos de Alfama
Pois eu,
Sei bem onde ele nasceu
Que não passou de um plebeu,
Sempre a puxar p'r'á vaidade
Sei mais,
Sei que o fado é um dos tais
Que não conheceu os pais,
Nem tem certidão de idade
Perguntam-me por ele,
Eu conheci-o:
Num perfeito desvario,
Sempre amigo da balbúrdia
Entrava na Moirama a horas mortas,
E ao abrir todas as portas,
Era o rei daquela estúrdia
Foi às esperas de gado,
Foi cavaleiro afamado,
Era o delírio no entrudo
Naquela vida agitada,
Ele que veio do nada,
Não sendo nada era tudo
Pois eu
Sei bem onde ele nasceu,
Que não passou de um plebeu,
Sempre a puxar p'r'á vaidade
Sei mais
Sei que o fado é um dos tais
Que não conheceu os pais,
Nem tem certidão de idade
fernando maurício - boa noite solidão
Boa-noite solidão
Vi entrar pela janela
O teu manto de negrura;
Quero dar-me á tua mão
Como a chama duma vela
Dá a mão, á noite escura
Os teus dedos, solidão
Despenteiam a saudade
Que ficou no lugar dela
Espalhas saudades p'lo chão
E contra a minha vontade Lembras-me a vida com ela
Só tu sabes, solidão
A angústia que traz a dôr Quando o amor, a gente nega
Como quem perde a razão
Afogando o nosso amor
No orgulho que nos cega
Com o coração na mão
Vou pedir-te, sem fingir
Que não me fales mais dela
Boa-noite solidão
Agora quero dormir
Porque vou sonhar com ela
fernando maurício - como É bom ser pequenino
Ã? tão bom ser pequenino, ter pai, ter mãe, ter avós
Ter esperança no destino, e ter quem goste de nós
Vem cá José Manuel, dás-me a graciosa ideia
De Jesus da Galileia, a traquinar no vergel
Ã?s moreninho de pele, como foi o Deus menino
Tens o mesmo olhar divino, ai que saudades eu tenho
Em não ser do teu tamanho, é tão bom ser pequenino
Os teus dedos delicados, nessas tuas mãos inquietas
Lembram-me dez borboletas, a voejar nos silvados
E como tu sem cuidados, também já corri veloz
Vem cá falemos a sós, dum caso sentimental
Quero dizer-te o que vale, ter pai, ter mãe, ter avós
Ter avós afirmo-te eu, perdoa as imagens minhas
Ã? ter relíquias velhinhas, e ter mãe é ter o céu
Ter pai assim como o teu, te dá o pão e o ensino
Ã? ter sempre o sol a pino, e o luar como rouxinóis
Triunfar como os heróis, e ter esperança no destino
Tu sabes o que é esperança, o sonho, a ilusão, a fé
Sabes lá o que isso é, minha inocente criança
Tu és fonte na pujança, e eu o rio que chegou à foz
Eu sou antes tu voz, que saudades, que saudades
A gente a fazer maldades, e ter quem goste de nós
fernando maurício - conta de beijos
Dos beijos que tu me deste, e dos beijos que eu te dei
Diz se a conta já fizeste, porque fazê-la não sei
Já tenho a cabeça tonta, não há soma que me reste
Ao tentar fazer a conta, dos beijos que tu me deste
Fiz várias contas sem fim, somei os que me lembrei
Dos que tu me deste a mim, e dos beijos que eu te dei
Mas como fiquei incerto, se ainda não te esqueceste
Para eu saber ao certo, diz se a conta já fizeste
Eram estes os meus desejos, mas como não acertei
Faz tu a conta dos beijos, porque fazê-la não sei
fernando maurício - deixem me ser assim
Deixem-me ser assim
Fadista como sou
Ser voz de mar tranquilo
Ser voz de noite calma
Deixem-me ser jardim
Que em mim se cultivou
Onde a seiva da voz
Transforma a flor em alma
Deixem-me ser assim
Apenas como sou
Ser onda que alcançou
A praia desejada
Não me gritem decretos
Que um dia alguém criou
Não sou palco de versos
Sou eu ou então nada
Por isso é que renasce
Em todos os meus fados
No ventre cristalino
Dum sol que não tem fim
Jamais cantarei preso
A gestos estudados
Não trago o fado à vista
Mas sim dentro de mim
Cds fernando maurício á Venda