MELHORES MÚSICAS / MAIS TOCADAS
carlos ramos - silêncio deixem ouvir as guitarras
Já noite nas horas calmas
Sózinho á luz do luar
O fado procura as almas
Que andam p'raí a cantarCorre os bairros de Lisboa
Desce às quelhas da Moirama
Bairro Alto, Madragoa
E anda p'los becos D'Alfama
Silêncio... deixem ouvir as guitarras
Tangendo canções bizarras
Chorando numa voz rouca
Silêncio... deixem ouvir este fado
Fartinho de ter andado
Para aí, de boca em boca
Mas dizem que agora o fado
Vai pôr de parte os queixumes
Vai pôr tristezas de lado
Sem querer saber de ciúmes
Diz que vai andar tranquilo
Usar de mais altivez
Se assim é, vamos ouvi-lo
Chorar p'la ultima vez
carlos ramos - campino
Mal canta o galo,
Ainda o sol não é nado,
Monto a cavalo
E vou p'ra junto do gado.
E os animais,
Essas tais feras bravias,
Com os seus olhos leais,
Parecem dar-me os bons dias.
Pampilho ao alto,
Corpo firme no selim;
Nunca tive um sobressalto
Se um toiro investe p'ra mim.
Já disse um homem
Que foi toureiro afamado:
"Mais marradas dá a fome
Do que um toiro tresmalhado".
Quando anoitece
E o gado dorme p'lo chão,
Rezo uma prece
Por alma dos que lá estão.
P'ra que as searas
Cresçam livres de tormenta
E o mal não mate as peares
Nem os novilhos de temp'ra.
Mas quando as cheias
Destroçam pastos e trigo
E há miséria nas aldeias,
Eu vou cantando comigo:
Já disse um homem
Que foi toureiro afamado:
"Mais marradas dá a fome
Do que um toiro tresmalhado".
carlos ramos - maria da graça
Maria da Graça infinda
Era a mais linda das raparigas
Deixava sempre, ao passar
Presas no ar, lindas cantigas
Mas numa tarde, abalou
E regressou já noite morta
Desde então, que sina a sua
Dizem na rua de porta em porta
Já foi Maria da Graça ... Já teve graça ao passar
Agora quando ela passa ... Nem graça tem no andar
Entrou com ela, a desgraça ... No dia em que ele a deixou
Já foi Maria da Graça ... Mas só Maria ficou
Tem um filhinho pequeno
Muito moreno, que atira ao pai
Que adoça um pouco o desgosto
Beijando o rosto de sua mãe
Conserva o seu ar infindo
Um pouco lindo, dos olhos belos
Mas o sol, quando ela passa
Já não esvoaça nos seus cabelos
carlos ramos - senhora do monte
Naquela casa de esquina
Mora a Senhora do Monte
E a providência divina
Mora ali, quase defronte
Por fazer bem à desgraça
Deu-lhe a desgraça também
Aquela divina graça
que Nossa Senhora tem
Senhora tão benfazeja
Que a própria Virgem Maria
Não sei se está na igreja
Se naquela moradia
E o luar da lua cheia
Ao bater-lhe na janela
Reforça a luz da candeia
No alpendre da capela
Vai lá muita pecadora
Que de arrependida, chora
Mas não é Nossa Senhora
Que naquela casa mora
carlos ramos - valeu a pena
Com voz serena
perguntaram-me ao ouvido
Valeu a pena
vir ao mundo e ter nascido?
Com lealdade, vou responder, mas primeiro
Consultei meu travesseiro, sobre a verdade
Tive porém, que lembrar o meu passado
Horas boas do meu fado, e as más também
Valeu a pena
Ter vivido o que vivi
Valeu a pena
Ter sofrido o que sofri
Valeu a pena
Ter amado quem amei
Ter beijado quem beijei
Valeu a pena
Valeu a pena, ter sonhado o que sonhei
Valeu a pena, ter passado o que passei
Valeu a pena, conhecer, quem conheci
Ter sentido o que senti, valeu a pena
Valeu a pena, ter cantado o que cantei
Ter chorado o que chorei, valeu a pena
carlos ramos - a casa da mariquinhas
Ã? numa rua bizarra
A casa da Mariquinhas
Tem na sala uma guitarra
Janelas com tabuinhas
Vive com muitas amigas
Aquela de quem vos falo
E não há maior regalo
Que vida de raparigas;
Ã? doida pelas cantigas
Como no campo a cigarra
Se canta o fado à guitarra
De comovida até chora
A casa alegre onde mora
Ã? numa rua bizarra
Para se tornar notada
Usa coisas esquisitas
Muitas rendas, muitas fitas
Lenços de cor variada;
Pretendida, desejada
Altiva como as rainhas
Ri das muitas, coitadinhas
Que a censuram rudemente
Por verem cheia de gente
A casa da Mariquinhas
Ã? de aparência singela
Mas muito mal mobilada
No fundo não vale nada
O tudo da casa dela;
No vão de cada janela
Sobre coluna, uma jarra
Colchas de chita com barra
Quadros de gosto magano
Em vez de ter um piano
Tem na sala uma guitarra
P'ra guardar o parco espólio
Um cofre forte comprou
E como o gaz acabou
Ilumina-se a petróleo;
Limpa as mobílias com óleo
De amêndoa doce, e mesquinhas
Passam defronte as vizinhas
P'ra ver o que lá se passa
Mas ela tem por pirraça
Janelas com tabuínhas
carlos ramos - anda o fado noutras bocas
Andei pela Mouraria
Nas tascas de antigamente
Mas o fado estava ausente
Mudou de lá, quem diria
E corri Lisboa inteira
Até encontrar o fado
Porém achei-o, mudado
Cantado d'outra maneira
Chorai fadistas chorai
Como dizia a cantiga
E se uma guitarra amiga
trinar em tom magoado
Cantai fadistas, cantai
Com vossas gargantas roucas
Que anda o fado noutras bocas
que não são bocas p'ró fado
Agora de madrugada
Eu oiço por todo o lado
Noutras bocas outro fado
Que do fado não tem nada
E choro então o passado
Os fadistas que morreram
Ouvindo alguns que nasceram
P'ra tudo, menos p'ró fado
carlos ramos - aquela feia
Eu gosto muito mais daquela feia
Há nela um grande amor que não tem fim
Ã? minha essa afeição com que me enleia
E sente um certo orgulho até por mim
Despreza os artifícios de beleza
Limita-se a ser feia e muito minha
Não pensa em jóias raras de princesa
E não se julga ao espelho, uma raínha
As outras, as bonitas, são perigosas
Faziam-me ciúme a vida inteira
São sempre mais senhoras, mais vaidosas
E sabem que têm muito quem as queira
Dão sempre aos seus afectos, mais valor
E até os bons caprichos valorizam
Chegando muitas vezes a supôr
Que a gente há-de beijar o chão que pisam
Se o pobre coração é um vassalo
Do belo que perturba e nos enleia
Será questão de gosto, mas deixá-lo
Eu gosto muito mais daquela feia
carlos ramos - biografia do fado
Perguntam-me p?lo Fado
Eu conheci:
Era um boêmio, era um vadio
Que andava na Mouraria
Talvez ?inda mais magro que um cão galgo
E a dizer que era fidalgo
Por andar com a fidalguia
O pai era um enjeitado
Que até andou embarcado
Nas caravelas do Gama
Um malandro chavo e sujo
Mais jingão do que um marujo
Dos velhos becos de Alfama
Pois eu
Sei bem onde ele nasceu
Não passou de um plebeu
Sempre a puxar p?ra vaidade
Sei mais
Sei que o Fado é um dos tais
Que não conheceu os pais
Nem tem certidão de idade
Perguntam-me por ele
Eu conheci:
Num perfeito desvario
Sempre amigo da balbúrdia
Entrava na Moirama a horas mortas
Ia abrir as meias portas
Era o rei daquela estúrdia
Foi às esperas de gado
Foi cavaleiro afamado
Era o delírio no entrudo
Naquela vida agitada
Ele que veio do nada
Não tendo nada era tudo
Pois eu
Sei bem onde ele nasceu
Não passou de um plebeu
Sempre a puxar p?ra vaidade
Sei mais
Sei que o Fado é um dos tais
Que não conheceu os pais
Nem tem certidão de idade
Sei mais
Sei que o Fado é um dos tais
Que não conheceu os pais
Nem tem certidão de idade
carlos ramos - canto o fado
Há para o sofrimento
Um bom remédio afinal
É cantar e num momento
Ninguém se lembra do mal
Não custa mesmo nada
Tentem fazer como eu
Uma guitarra afinada
Um voz bem timbrada
E tudo esqueceu
Quando a tristeza me invade
Canto o fado
Se me atormenta a saudade
Canto o fado
Haja ciúme á vontade
Canto o fado
Por uma esperança perdida
Não passe na vida
Por um mau bocado
Se acaso a sorte o esqueceu
É fazer como eu
Deixe andar cante o fado
Não e que não me interesse
Por quem a dor não resiste
Mas há gente que parece
Que gosta até de andar triste
Tem sempre um ar fatal
A que ninguém o obriga
E nesta vida afinal
Vendo bem nada vale
Mais do que uma cantiga
carlos ramos - chinelas da mouraria
Chinelas da Mouraria
Não há vida como a delas
Baquetas em harmonia
Tamborilando as vielas
Felizes ou malfadadas
Podem ser p'la vida fora
Porque elas marcam, coitadas
Os passos que uma mulher
Dá na vida, hora a hora
Vão atrás da procissão
Têm o rufar dos tambores
Solenes pelo caminho
Sentem que ao pisar o chão
Pisam as humildes flores
De alfazema e rosmaninho
Ã? vê-las nos bailaricos
Estalinhos de Santo António
Não fazem mais algazarra
São como dois mafarricos
Nos pézinhos dum demónio
Que no amor se desgarra
Conta-se que certa vez
Numa castiça toirada
Uma chinela atirada
Feriu a cara do Marquês
Desde então, desde essa era
Com verdade ou fantasia
A chinela da Severa
Entrou na história do fado
Do fado da Mouraria
carlos ramos - fado das queixas
P'ra que te queixas de mim
se eu sou assim
como tu és,
barco perdido no mar
que anda a bailar
com as marés?
Tu já sabias
que eu tinha o queixume
do mesmo ciúme
que sempre embalei
Tu já sabias
que amava deveras:
também quem tu eras
confesso, não sei!
Não sei quem és
nem quero saber,
errei, talvez,
mas que hei-de fazer?
A tal paixão que jamais findará
- pura ilusão! - Ninguém sabe onde está!
Dos dois, diz lá
o que mais sofreu
diz lá que o resto sei eu!
P'ra que me queixo eu também
do teu desdém
que me queimou
se é eu queixar-me afinal
dum temporal
que já passou
Tu nem calculas
as mágoas expressas
e a quantas promessas
calámos a voz
Tu nem calculas
as bocas que riam
e quantas podiam
queixar-se de nós!
carlos ramos - fado é saudade
Há muita gente que pensa que o fado, para ser fado
Tem de falar em desgraça, tem de evocar o passado
Dizem que p'ra ser castiço, o fadinho, vejam lá
Tem de falar noutros tempos e em coisas que já não há
Tem de falar em tipóias e em rambóias, a horas mortas
Tem de exaltar as noitadas
E as patuscadas, fora de portas
Mas eu acho exagerado, e penso que na verdade
O fado para ser fado
Basta falar em saudade
Quando oiço cantar o fado, o meu ouvido já espera
Ouvir falar no passado e elogiar a Severa
Mas eu, para ser sincero, este fado não é meu
E eu por mim assevero que a Severa já morreu
Tem de falar em toiradas e em desgarradas, a horas mortas
Tem de falar no Timpanas
Nas carripanas que iam p'ras hortas
Mas eu acho na verdade, que hoje o fado está mudado
Basta falar em saudade
P'ra se ver que o fado é fado
carlos ramos - gaivotas
Um bando de gaivotas maneirinhas
Voando em voos francos por entre o mar e os céus
Agitam suas asas tão branquinhas
Lembrando lenços brancos a dizerem adeus
E sempre por capricho original
Essas gaivotas vão até ao fim da rota
E hora a hora no mastro real
Sem luta, sem questão, descansa uma gaivota
Gaivotas, mensageiras sem ter par
Que levam de Lisboa saudades p'ra além mar
Gaivotas que voando sempre à toa
Nos trazem de além-mar, saudades para Lisboa
Voando sem cansaço, sem fadiga
Acompanhando as naves lá vão cumprindo a lida
Nos velhos marinheiros há quem diga
Que essas mesmas aves regressam à partida
Por isso as gaivotas maneirinhas
Voando em voos francos por entre o mar e os céus
Lembram com as asas tão branquinhas
Um mar de lenços brancos a dizerem adeus
carlos ramos - gostei de ti
A nossa vida
Anda escrita no destino
Vai de vencida
Mandada pelo Deus menino
E se em meu fado
Tu foste o meu desespero
Hoje és passado
Podes crer, já não te quero
Gostei de ti
como ninguém há-de amar-te
O que eu sofri
só de pensar em deixar-te
mas se hoje passo
junto a ti por qualquer rua
Não há um traço de paixão
por culpa tua
Foste a culpada
Desta indiferença de agora
Para mim és nada
Tu que foste tudo outrora
Ã?s o passado
Apenas recordação
Lume apagado
A cinza duma paixão
Cds carlos ramos á Venda