amália hoje - a gaivota
Se uma gaivota viesse,
trazer-me o céu de Lisboa,
num desenho que fizesse.
Nesse céu onde o olhar,
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração,
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia,
perfeito meu coração
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro.
A contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho,
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração,
morreria no meu peito,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito,
bateu meu coração.
Que perfeito coração,
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia,
perfeito meu coração.
Que perfeito coração,
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia,
perfeito meu coração.
Perfeito meu coração.
Perfeito meu coração.
amália hoje - abandono
Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria
Foi de noite numa noite
De todas a mais sombria
Foi de noite, foi de noite
E nunca mais se fez dia.
Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar
E ao menos ouves o vento
E ao menos ouves o mar.
amália hoje - fado português
O fado nasceu um dia,
Quando o vento mal bulia
E o céu o mar prolongava,
Na amurada dum veleiro,
No peito dum marinheiro
Que, estando triste, cantava,
Que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha,
Meu chão, meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutas de oiro,
Vê se vês terras de espanha,
Areias de portugal,
Olhar ceguinho de choro.
Na boca dum marinheiro
Do frágil barco veleiro,
Morrendo a canção magoada,
Diz o pungir dos desejos
Do lábio a queimar de beijos
Que beija o ar, e mais nada,
Que beija o ar, e mais nada.
Mãe, adeus. adeus, maria.
Guarda bem no teu sentido
Que aqui te faço uma jura:
Que ou te levo à sacristia,
Ou foi deus que foi servido
Dar-me no mar sepultura.
Ai, que lindeza tamanha,
Meu chão, meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutas de oiro,
Vê se vês terras de espanha,
Areias de portugal,
Olhar ceguinho de choro.
amália hoje - formiga bossa nova
Formiga Bossa Nova
Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.
Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.
Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.
Assim devera eu ser
se não fora
não querer.
amália hoje - grito
Silêncio!
Do silêncio faço um grito
O corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco.
De sombra a sombra
Há um Céu...tão recolhido...
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido.
Ao céu!
Aqui me falta a luz
Aqui me falta o mistério.
Chora-se mais
Quando se vive atrás dela.
E eu,
A quem o céu esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora.
Solidão!
Que nem mesmo essa é inteira...
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura.
Ai, solidão
Quem fora escorpião
Ai! solidão
E se mordera a cabeça!
Adeus
Já fui para alémda vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede.
Adeus,
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai, como dói
A solidão quase loucura.
amália hoje - nome de rua
Deste-me um nome de rua
Duma rua de Lisboa.
Muito mais nome de rua,
Do que nome de pessoa.
Um desse nomes de rua
Que são nomes de canoa.
Nome de rua quieta,
Onde à noite ninguém passa,
Onde o ciúme é uma seta,
Onde o amor é uma taça.
Nome de rua secreta,
Onde à noite ninguém passa,
Onde a sombra do poeta,
De repente, nos abraça!
Com um pouco de amargura,
Com muito da Madragoa.
Com a ruga de quem procura,
E o riso de quem perdoa.
Deste-me um nome de rua,
Duma rua de Lisboa!
amália hoje - foi deus
Não sei, Não sabe ninguém
porque canto fado neste tom magoado
de dor e de pranto
e neste tormento, todo sofrimento
eu sinto que a alma cá dentro se acalma
nos versos que canto.
Foi Deus, que deu luz aos olhos
perfumou as rosas,
deu ouro ao sol e prata ao luar
Foi Deus, que me pôs no peito
um rosário de penas que vou desfiando
e choro a cantar.
Se canto, não sei o que canto
Misto de ventura, saudade, ternura
e talvez amor.
Mas sei que cantando,
sinto mesmo o quanto se tem um desgosto
e o pranto no rosto nos deixa melhor
Foi Deus, que deu voz ao vento
luz ao firmamento,
e deu o azul ás ondas do mar
Foi Deus, que me pôs no peito
um rosário de penas que vou desfiando
e choro a cantar
e pôs as estrelas no ar...
e pôs as estrelas no céu,
e fez o espaço sem fim,
deu luto às andorinhas
Ai, e deu-me esta voz a mim
fez poeta o rouxinol,
pos no campo o alecrim,
deu as flores à primavera,
ai, e deu-me esta voz a mim.
ahh , a mim (3x)