tião do carro & santarém - sonho de caboclo
Fiz um poema
Com palavras tão bonitas
Caprichei bem na escrita
E também fiz uma canção
Fui no jardim
Colhi as flores mais belas
Margaridas amarelas
E a rosa branca em botão
Com muito gosto
Arrumei nossa casinha
Da sala até a cozinha
E carpi todo o quintal
Rocei o pasto
E consertei a porteira
Enfeitei a casa inteira
Como se fosse natal
La na varanda
Amarrei de novo a rede
Ajeitei bem na parede
O quadro da Santa Ceia
No chão da sala
Todo de terra batida
Dei uma boa varrida
Não ficou um grão de areia
Na nossa cama
Pus a colcha de piquê
Com as beiradas de crochê
Que você fez tudo a mão
Troquei as fronhas
Com capricho e muito esmero
As penas do travesseiro
E palhas novas no colchão
Chegou o dia
Que você ia voltar
Eu cheguei até chorar
De tanta felicidade
Levantei cedo
E me arrumei com muito zelo
Reparti bem o cabelo
Igual gente da cidade
Botina nova
Que me apertava um pouco
Calça jeans de ranca toco
E bigode bem aparado
De lenço branco
Camisa preta de lista
Eu parecia um artista
Daqueles bem afamado
E bem na hora
Que passava a jardineira
Me deu uma tremedeira
Quando a porteira bateu
Sai correndo
La pras bandas da estrada
Pra ver a sua chegada
Você não apareceu
A jardineira
Foi sumindo no estradão
Levando a minha ilusão
E a tristeza que ficou
Foi só um sonho
Sentei na cama chorando
Hoje esta fazendo um ano
Que você me abandonou
tião do carro & santarém - meu pai
Cansado das lutas dos trancos da vida,
saudade doída bateu pra valer.
Lembrei do meu pai lá no sítio nosso,
meu velho não posso ficar sem te ver.
Cheguei bem cedinho na cerca de arame,
eu vi um exame de abelha subir.
No velho morão do chão estradeiro,
exalava o cheiro do mel jataí.
Batendo o orvalho da alta pastagem,
eu criei coragem pro rancho eu desci.
Gritei no terreiro ninguém na palhoça,
no eito da roça meu velho eu vi.
Seguindo o acero fui subindo o trilho,
na roça de milho entrei devagar.
O sol nessa hora mostrava seu brilho,
meu pai é teu filho eu vim te abraçar.
O velho tirou da cabeça o chapéu,
olhando pro céu pegou a chorar.
Dizendo meu filho que roupa limpinha,
não rele na minha pra não te sujar
no peito do velho o suor corria,
até parecia mina da biquinha.
Meu filho a água tá no arvoredo,
eu trouxe hoje cedo a porunga cheinha.
Até meu almoço eu deixei preparado,
está pendurado no galho da arvinha.
Eu fiz hoje cedo bem madrugadão,
arroz e feijão, jabá com farinha.
Em suas palavras eu já decifrei,
e nem perguntei mamãe onde está.
Na roupa do velho, guaxuma miúda,
e as mãos cascudas que nem jatobá.
E ele me disse ali nesta hora,
você vai embora onde vai pousar?
Meu pai eu vou indo não se aborreça,
antes que anoiteça eu preciso voltar.
Eu beijei o rosto do meu pai amado,
entrou no roçado sultão foi atrás.
Eu também saí chorando escondido,
meu velho querido eu te amo demais.
tião do carro & santarém - presente especial
PRESENTE ESPECIAL
Declamado:
"Eu achei no chão do shopping,
na semana do Natal
uma cartinha amassada
na entrada principal.
Fui lendo as primeiras linhas,
não vi nisso nenhum mal.
A criança que escrevia
pro Papai Noel pedia
um presente especial".
Eu não tenho cavalinho,
nem radinho pra escutar.
Minhas roupinhas surradas
mas ainda dá pra usar.
Mas o que eu queria mesmo,
isso eu queria ganhar:
se o senhor não se incomoda,
uma cadeira de rodas
pra minha mãe passear.
Essa de rodas macias
que no plano sai rodando,
Quando chega na subida
eu mesmo vou empurrando.
Quero ver mamãe sorrindo,
quero ver mamãe passeando.
E na noite de Natal
eu vou ficar no quintal,
a noite inteira esperando.
Beijei a carta e chorei
e fiquei indignado.
Nela não tinha endereço
e ninguém tinha assinado.
Somente no rodapé
tinha um recado gravado:
Eu moro lá na favela,
na ponta de uma viela,
num lugar tão complicado.
Passei a semana inteira
muito triste e aborrecido.
Mas na noite de Natal
falaram nos meus ouvidos.
Quem escreveu a cartinha
foi um menino sofrido,
mas hoje ele está feliz,
as casas André Luiz
atenderam seu pedido.
(Benjunior)