MELHORES MÚSICAS / MAIS TOCADAS
antonio nóbrega - chegança
Sou Pataxó,
sou Xavante e Cariri,
Ianonami, sou Tupi
Guarani, sou Carajá.
Sou Pancararu,
Carijó, Tupinajé,
Potiguar, sou Caeté,
Ful-ni-o, Tupinambá.
Depois que os mares dividiram os continentes
quis ver terras diferentes.
Eu pensei: "vou procurar
um mundo novo,
lá depois do horizonte,
levo a rede balançante
pra no sol me espreguiçar".
eu atraquei
num porto muito seguro,
céu azul, paz e ar puro...
botei as pernas pro ar.
Logo sonhei
que estava no paraíso,
onde nem era preciso
dormir para se sonhar.
Mas de repente
me acordei com a surpresa:
uma esquadra portuguesa
veio na praia atracar.
De grande-nau,
um branco de barba escura,
vestindo uma armadura
me apontou pra me pegar.
E assustado
dei um pulo da rede,
pressenti a fome, a sede,
eu pensei: "vão me acabar".
me levantei de borduna já na mão.
Ai, senti no coração,
o Brasil vai começar.
antonio nóbrega - andarilho
Caí do céu por descuido,
se tenho pai, não sei não.
Venho de longe, seu moço,
lugar chamado sertão.
Vivo sozinho no mundo,
zombei da sede, zombei.
Cortei com a minha peixeira
todo o mal que encontrei.
Fui caminhando, enfrentando
as terras que o sol secou,
até chegar à cidade
dos homens que Deus olhou.
Que o santo padre perdoe
a triste comparação:
melhor viver no cangaço
que na tal civilização.
Brinquei com o mal, brinquei,
sorri quando matei.
Eu vim pra ser melhor,
cheguei aqui, chorei.
antonio nóbrega - delírio
Adormeci na pracinha do diário
E despertei num disco voador.
Até pensei que eu estava louco.
Louco, qual nada, o sonho começou.
Em marte, encontrei batutas.
Em vênus, banhistas na rua.
Inocente, cheio de estrelas,
Lira da noite vindo em bando da lua.
O disco deu outra volta
E o universo parou.
Madeira do rosarinho
A marcha da folia entoou.
Rebeldes com dona moça,
Usando anéis de saturno,
Desfilava com grande nobreza
Cruzando aquele espaço noturno.
O disco foi regressando,
E com saudade chorei.
Um raio da luz do sol
Desfez o sonho, acordei.
antonio nóbrega - monga
O palco é da grande vedete,
A maior estrela da companhia.
Aplausos e luzes pra ela.
Que a grande beldade é só simpatia.
Quando ela aparece
O mundo estremece;
Balança todo coreto.
Rainha e valete,
É a dama-coringa,
Seu trunfo é a sua ginga.
Olhem, ela está chegando.
Já roubou a cena!
Mostrando toda classe
De grande ciclista.
Trapézios, malabaress,
Rebolados, ela faz.
É a saltimbanco, é a grande artista.
Olhem só como ela baila.
Que coisa mais fina...
Que graça e que leveza...
Ai, que bailarina.
Quando ela se balança
A macacada se agita,
Assovia, geme e grita.
antonio nóbrega - a deusa da minha rua
A deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar
Nos seus olhos eu suponho
Que o sol, num dourado sonho
Vai claridade buscar
Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz
Na rua uma poça d?água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu
Para o chão
Tal qual o chão de minha vida
Minh?alma comovida
O meu pobre coração
Infeliz da minha mágoa
Meus olhos
São poças d?água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu
E ela é nobre
Não vale a pena sonhar
antonio nóbrega - a dor de uma saudade
A dor de uma saudade
Vive sempre em meu coração
Ao relembrar alguém que partiu.
Deixando a recordação, nunca mais...
Hão de voltar os tempos
Felizes que passei em outros carnavais.
Cantar, oh! cantar!
É um bem que dos céus nos vem.
Se algumas vezes nos faz chorar
Ante os revezes nos faz rir também.
Cantar, oh! cantar!
Com expressão de uma emoção
Que nasce d'alma e vem dizer ao coração
Que a vida é uma canção.
antonio nóbrega - a morte do touro mão de pau
[aboio]
Corre a serra joana gomes
Galope desesperado:
Um touro se defendendo,
Homens querendo humilhá-lo,
Um touro com sua vida,
Os homens em seus cavalos.
Cortava o gume das pedras
Um bramido angustiado,
Se quebrava nas catingas
Um galope surdo e pardo
E os cascos pretos soavam
Nas pedras de fogo alado,
Enquanto o clarim da morte,
Ao vento seco e queimado,
Na poeira avermelhada
Envolvia os velhos cardos.
Rasgavam a serra bruta
Aboios mal arquejados
E, nas trilhas já cobertas
Pelo pó quente e dourado,
Um gemido de desgraça,
Um gemido angustiado:
- "adeus, lagoa dos velhos!
Adeus, vazante do gado!
Adeus, serra joana gomes
E cacimba do salgado!
O touro só tem a vida:
Os homens têm seus cavalos"!
O galopar recrescia:
Brilhavam ferrões farpados
E algemas de baraúna
Para o touro preparados.
Seu sabino tinha dito:
- "ele há de vir amarrado"!
Miguel e antônio rodrigues,
De guarda-peito e encourados,
Na frente do grupo vinham,
Montados em seus cavalos
De pernas finas, ligeiras,
Ambos de prata arreados.
E, logo à frente, corria
O grande touro marcado,
Manquejando sangue limpo
Nos caminhos mal rasgados,
Cortadas as bravas ancas
Por ferrões ensangüentados.
A serra se despenhava
Nas asas de seus penhascos
E a respiração fogosa
Dos dois fogosos cavalos
Já requeimava, de perto,
As ancas do manco macho
Quando ele, vendo a desonra,
Tentando subjugá-lo,
Mancando da mão preada
Subiu num rochedo pardo:
Num grito, todos pararam,
Pelo horror paralisados,
Pois sempre, ao rebanho, espanta
Que um touro do nosso gado
Às teias da fama-negra
Prefira o gume do fado.
E mal seus perseguidores
Esbarravam seus cavalos,
Viram o manco selvagem
Saltar do rochedo pardo:
-"adeus, lagoa dos velhos!
Adeus, vazante do gado!
Adeus, serra joana gomes
E cacimba do salgado!
Assim vai-se o touro manco,
Morto mas não desonrado"!
[aboio]
Silêncio. a serra calou-se
No poente ensangüentado.
Calou-se a voz dos aboios,
Cessou o troar dos cascos.
E agora, só, no silêncio
Deste sertão assombrado,
O touro sem sua vida,
Os homens em seus cavalos.
antonio nóbrega - a vida do marinheiro
A vida do marinheiro, ô ipá
é uma vida de labor,
quando pensa que é descano, ô ipá
é quando chega o vapor
ô ipá, ô ipá...
ola as ondas do mar vão quebrar
em risco de uma tormenta, ô ipá,
e a minha nau naufragar,
as feras do oceano
vão o meu corpo estragar.
vou terminar o meu canto. ô ipá,
a maré está a preamar.
Ouço o chor da toninha,
ouço a baleia roncar.
antonio nóbrega - abrição de portas
Salve essa casa,
Nobre morada.
Nova jornada
Vamos começar.
Nossa festa vai principiar.
Com rabecas, bombos e violas
Hoje aqui viemos festejar,
Render graças à vida nessa hora.
Abram as portas
Para o meu reisado.
Cantos e loas
Vamos entoar.
antonio nóbrega - boi castanho
Eu sou da estrada real do poço,
Da casa forte, sou boi castanho,
Eu sou do reino do meio-dia,
Fazendo alegria, coração deste
Tamanho...
Vejam vocês:
Burra calu, bastião e o mateus,
Cavalo-marinho e o capitão,
Mané pequenino e o sacristão.
Que figural!
É a dona ema,
O padre e o fiscal,
O doutor penico branco
E o rabequeiro, mané batateiro
Vão brincar o carnaval.
antonio nóbrega - cantigas de roda
Quantas cantigas eu recordo ainda
Da meninada onde me criei...
A cirandinha dando meia volta
E o pau no gato que eu atirei.
Ainda escuto a ponte da aliança
Que todos passam e eu nunca passei.
O pai francisco quando entrou na roda
E a rica-rica-de-marré-descer,
Sabem que o cravo só brigou com a rosa
Por ser mais formosa,
A bela do buquê.
E a terezinha de jesus caiu
Com a machadinha que vai ser seu par.
E hoje eu fico a relembrar encantos,
De delírios tantos
Que não vão voltar.
antonio nóbrega - canudos
Eu, viandante de um chão poento.
Dias queimosos, vida sem idílio.
Preces voltadas para sóis ardentes,
Luares claros a buscar o auxílio.
Para os meus olhos, confusão pasmosa,
Batalha surda, secular martírio.
Ai, desatino!
Ai, meu penar!
Ai, velho medo! sombra e malpassar!
Vi mamelucos, pardos, vi cafusos.
Rostos marcados: um santo sudário.
Em bom conselho, bendegó, pontal,
Vi conselheiro rezar solitário.
E anunciando o inverno benfazejo,
Em monte santo subiu para o calvário.
antonio nóbrega - carrossel do destino
Deixo os versos que escrevi,
As cantigas que cantei,
Cinco ou seis coisas que eu sei
E um milhão que eu esqueci.
Deixo este mundo daqui,
Selva com lei de cassino;
Vou renascer num menino,
Num país além do mar...
Licença, que eu vou rodar
No carrossel do destino.
Enquanto eu puder viver
Tudo o que o coração sente,
O tempo estará presente
Passando sem resistir.
Na hora que eu for partir
Para as nuvens do divino,
Que a viola seja o sino
Tocando pra me guiar...
Licença,que eu vou rodar
No carrossel do destino.
Romances e epopéias
Me pedindo pra brotar
E eu tangendo devagar
A boiada das idéias.
Sempre em busca das colméias
Onde brota o mel mais fino,
E um só verso, pequenino,
Mas que mereça ficar...
Licença,que eu vou rodar
No carrossel do destino.
antonio nóbrega - coco da lagartixa
Eu vi uma lagartixa,
- redondo sinhá,
E ela era comportada,
- redondo sinhá.
Saía à boca da noite,
Chegava de madrugada,
Com a saia na cabeça,
Soluçando embriagada.
Com a saia na cabeça,
- redondo sinhá,
Soluçando embriagada.
- redondo sinhá.
Eu vi outra lagartixa
Num coco de embolada,
Negava ser mulher-dama
Mas depois de três bicadas
Me pegou assim d'um jeito,
Me matou de umbigada!
Eu vi uma lagartixa,
Ai, estava na janela,
Ai, dizendo que era honrada,
Que era moça donzela.
Vi quatro calangos verdes:
Todos eram filhos dela!
Eu vi outra lagartixa,
Essa era uma senhora.
Passava a noite no samba,
Cachimbava a toda hora,
Dizia pro seu marido:
"é duro trabalhar fora!"
Eu vi uma lagartixa,
Que na lagoa morou.
Que sonhava ser princesa
Por um sapo apaixonou-se,
Beijou ele a vida inteira:
Ele não desencantou!
Eu vi outra lagartixa
Tomando banho de açude.
O açude estava cheio,
Fui banhar-me mas não pude,
Ela sujou toda água,
Ainda ficou cheia de grude!
Eu vi uma lagartixa
Enganar pato e guiné,
Teve um filho de uma pulga,
Outro de um bicho-de-pé,
Doze de uma cobra d'água,
Vinte e três de um jacaré!
Eu vi outra lagartixa
Que queria se casar.
Me pediu em casamento
Mas mamãe jurou não dar.
Ela fugiu com papai,
Suas filhas eu fui criar!
Eu vi uma lagartixa
Ai, estava no meio da feira,
Tinha pra mais de cem netos,
Jurava que era solteira.
Perguntei a sua idade,
Me negou a vida inteira!
Eu vi outra lagartixa
Na varanda de um sobrado,
Ela estava namorando
Junto com seu namorado,
Assentada na cadeira
E o rabão dependurado!
Quem 'ver' uma lagartixa
No sertão, mata ou no mar,
Entregue logo pra ela
Um pandeiro ou um ganzá,
Que ela canta esse coco
Do jeito que eu ouvi lá!
antonio nóbrega - desassombrado
Desassombrado,
Eu desassombrei.
Eu pensei que o malassombro
Fosse maior do que eu.
Ói, meus senhores,
Vou contar minha odisséia:
Viajei no pé da idéia
Prá tecer este cantar.
E galopando
No chitão de minha burra
Fiquei preso numa furna
Sem poder mais cavalgar.
Eu tive medo,
Vi tudo da cor da noite,
Um ente com uma foice
Querendo me degolar.
Eu me azouguei
E disse prá ele se tremer:
Mando-o pro diabo comer
Com farofa de embuá.
No outro dia,
A bruzacã apareceu,
Minha alma esrtemeceu,
Eu fiquei pra me acabar.
Aí pensei:
Me valei nossa senhora,
Não me leve nessa hora,
Ainda quero vadiar.
Devagarinho,
Fui ponteando a rabeca,
Me lembrei de minha terra
Pra eu me desanuviar.
E descancei!
Mas não pense que sou covarde,
Eu carrego um bacamarte,
Quando quero atiro, pá!
Corri as terras
No trote de caluzinha,
Não pensei que o mundo tinha
Tanta coisa pra ajeitar.
Fui à tchechenia,
Dei um pulo lá na china,
Estava na conchichina
Tentaram me despachar.
Mais viajando
Vi branco matando negro,
Nas ruas de sarajevo
Vi o mundo se acabar.
Eu vi os jatos
Pelos céus fazendo zum...!
Ouvi as bombas, tebedum!
Os fuzis ta-ra-ta-tá!!!
E refreando
A pisada do meu trote
Vou findar o meu galope
Com os olhos na beira-mar.
Eu vi um anjo
No cordão das bonitezas
Me dizendo miudezas
Que era para eu sossegar.
Limpei a vista,
Sacudi o meu calvário.
Nas contas do meu rosário
Prossegui meu caminhar.
É manga-espada,
É manga-rosa, é manga-roxa.
Essa é minha trouxa,
Vou por aí desassombrar.
Cds antonio nóbrega á Venda